Enfermeiros que atuam nas periferias do DF relatam exaustão: ‘Trabalho com medo, mas está valendo a pena’, diz profissional
solados da família, eles passam por desafios pessoais na luta contra a Covid-19. G1 conversou com profissionais da linha de frente no combate à pandemia em diferentes regiões do DF.
Eles escolheram a área da saúde como profissão e anos depois desempenham trabalho essencial em meio a uma pandemia. Enfermeiros que atendem em regiões de periferia do Distrito Federal relataram ao G1 que viram a demanda de trabalho multiplicar, assim como o medo de colocar as famílias em risco.
Em 10 anos de atuação na rede pública, Marisa Gomes, de 36 anos, considera a pandemia do novo coronavírus “o pior momento” de saúde pública que já vivenciou. Mas, apesar disso, afirma que não se imagina fazendo outra coisa, além do trabalho como enfermeira.
“Acho que nunca tinha sentido essa sensação de medo de morrer. Você trabalha com medo, mas está valendo a pena estar aqui, mesmo diante do caos”, afirma.
Marisa trabalha em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do Gama. Na região, conforme dados do começo da semana havia 5,4 mil casos de coronavírus, o quarto maior número na capital. A enfermeira também mora na região, junto com o marido e dois filhos.
As UBSs são consideradas “a porta de entrada para a Rede de Atenção à Saúde”. Elas recebem pacientes que precisam de vários tipos de atenção, incluindo as equipes de Saúde da Família, que acompanham idosos e gestantes. Durante a pandemia, as unidades passaram a ser também o local de teste para diagnóstico da Covid-19.
“Tem pacientes que eu conheço há sete anos. Essa questão do isolamento, a gente sente que os pacientes estão mais angustiados, estão mais ansiosos”, relata Marisa.
Os atendimentos em casa, previstos na rotina, passaram a ser limitados a casos graves, diz a enfermeira. “Ficamos inseguros em visitar, mas vamos em caso de agravo. Até porque não sabemos quando isso tudo vai terminar”, aponta.
Marisa compõe uma equipe de seis médicos e seis enfermeiros. O número de profissionais não aumentou, mas a demanda sim.
“Se você fizer um comparativo março, abril e agora, a gente vê uma busca muito maior. No atendimento de síndrome gripal, teve dias com 30 atendimentos”, explica.
A enfermeira afirma que não teve problemas de acesso a Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), diferentemente de outros profissionais (saiba mais abaixo). Mas da porta para fora da UBS, ela afirma que “mudou totalmente a rotina”
“Eu deixo o sapato dentro do carro, já separo um chinelo e entro direto pro banho. Evito o abraço e o beijo nas crianças”, conta
‘Fator de incerteza’
A região que tem o 3º maior número de registros da Covid-19 no DF, Samambaia (com mais de 7 mil casos), é o local de trabalho do enfermeiro Ferdinan Lago há quase nove anos. Ele conta que já houve problemas com EPIs.
“Nós temos equipamentos de proteção, masjá recebemos alguns de qualidade muito inferior, [como] máscaras de três camadas transparentes. Esses dias houve recolhimento de máscaras N95, a de maior proteção, sem justificativa. Esse fator de incerteza não nos deixa muito seguros”, desabafa.
O enfermeiro, de 34 anos, conta que atende pacientes que moram “em área bem vulnerável financeiramente”, principalmente na área de expansão (antiga invasão) em Samambaia.
“Acredito que o papel do enfermeiro nessa linha de frente é essencial, tanto no que tange a população, quanto a equipe, darmos apoio aos colegas, já que o estresse mental é enorme, e nós, da atenção primária, temos esse papel de educação em saúde nem sempre valorizado”, afirma.
Ferdinan diz que ajuda a explicar o tratamento disponível aos pacientes. “Percebemos que muitas vezes a população não sabe lidar com a informação. Acabam acreditando em tratamentos que não funcionam. Fazemos nosso papel de explicar qual o tratamento disponível e seguro no momento”, afirma.
Na vida pessoal, o enfermeiro, que mora sozinho, afirma que precisou deixar o hábito de visitar a mãe. “O máximo que faço é ir de máscara, deixar algo lá que ela ou meus irmãos precisem. Mesmo ela pedindo pra entrar, sabemos o quão arriscado pode ser esse contato”, diz ele.
O cuidado é devido ao contato direto com os pacientes. Ferdinan faz coletas de mucosa nasal para o exame RT-PCR, de diagnóstico da Covid-19. São pelo menos 10 horas por semana nessa função. “Sem dúvidas, o mês de julho foi o com maior procura”, relata.
“Os casos de suspeita de Covid-19 aumentam exponencialmente. Os atendimentos que, em março, eram 5 num dia viraram, muitas vezes, 30 atendimentos apenas numa manhã ou tarde”, conta o enfermeiro.
Infectado no trabalho
Há 22 anos como enfermeiro, Cleber Neves da Cunha atua na UBS 18, de Planaltina. Na pandemia, os plantões ficaram mais recorrentes. São 12 horas de trabalho por dia, em média.
Ele afirma que a sua principal atividade tem sido a coleta para exames PCR, além de atender pessoas com caso confirmado de Covid-19. O profissional afirma que há uma uma “sobrecarga considerável de trabalho”.
“O aumento [dos atendimentos] se deu de forma gradual desde o mês de março. Em julho, observo o grande ‘bum’ ,desde a segunda quinzena, chegando a 50 atendimentos com sintomáticos respiratórios por dia”, conta Cleber.
Em junho, o profissional foi infectado pelo coronavírus, mesmo usando EPIs e seguindo protocolos a risca. “Tive uma pneumonia viral com comprometimento de 30% pulmonar, além dos demais sintomas. Fiquei em casa, com as medicações prescritas. Não foi fácil não”, recorda.
Ele mora com outras cinco pessoas. Durante a pandemia, Cleber define a rotina como “isolamento familiar”.
“Desde o início da pandemia não existe vida social, não se tem visitas aos familiares ou amigos. As saídas para manutenção da casa, como supermercado, são feitas por uma única pessoa”, diz.
Apesar das dificuldades, o que se sobressai para ele é o orgulho da profissão. “Me sinto feliz por ser enfermeiro e como tal estar no ‘front de batalha’ em um momento de interrogações medo, dúvidas em que vivemos”, revela.
“Somos peças em uma engrenagem que visa salvar vidas”, conclui o enfermeiro.