Na pandemia, três pessoas por dia acionaram Defensoria do DF por direito à UTI
Até agosto, foram 744 ações ajuizadas. O problema, no entanto, não se restringe à chegada da Covid-19
Todos os dias pelo menos três famílias, em média, vão à Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) em busca de ajuda para conseguir que um paciente seja transferido para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Só até agosto deste ano, 744 ações foram ajuizadas na tentativa de garantir maior rapidez no atendimento, mas nem sempre isso acontece.
A busca por um leito cardiológico para Telma Maria Viana, 52 anos, por exemplo, tem sido difícil. Diagnosticada com pneumonia no começo de setembro, ela havia sofrido um princípio de ataque no coração que não foi identificado à época.
O tempo passou e a situação de Telma piorou. Foi atendida na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante e somente lá descobriu o que tinha acontecido. “Como o problema não foi tratado, a situação agravou. Água foi parar no pulmão dela e, aí sim, veio a pneumonia”, explica Helen Viana, 19, filha da paciente.
Necessitando de uma UTI, ela foi alocada na própria UPA e posteriormente levada ao Hospital de Campanha da Polícia Militar, mesmo assim, ainda não é o tratamento que ela precisa. “Está em estado grave, respirando por aparelhos. A parte da pneumonia estão conseguindo tratar, mas o coração precisa de cuidado especial”, relata a filha.
Diante dessa espera, a família de Telma decidiu ir até a DPDF e buscar uma decisão favorável na Justiça. “Na quarta-feira (30/9), o juiz expediu a ordem, mas disseram que não tinha leito disponível, então seguimos aguardando”, lamenta Helen.
“Querendo ou não a gente fica preocupado. Ela não está com Covid-19, mas vai que ela pega nessas transferências? Ela tem 52 anos, pressão alta e é tabagista. Se uma pneumonia já deixou ela assim, imagina essa outra doença. Queria que ela fosse transferida logo”, completa a filha da paciente.
Problema é recorrente
Conforme explica Ramiro Sant’Ana, coordenador do Núcleo de Saúde da DPDF, o que mais chama a atenção não é o alto número de pessoas que recorrem à defensoria em busca de auxílio neste 2020, mas a recorrência ao longo dos anos. “É algo que tem acontecido sempre. É constante, mas possível de melhorar. O que a gente vivenciou em abril e maio deste ano [devido à pandemia, foi uma prova de que o sistema tem capacidade de crescer e atender a mais pessoas”, ressalta.
Para Sant’Ana, o mais importante é a Saúde do DF não se desmobilizar após a pandemia. “Óbvio que os hospitais de campanha precisam ser desmontados, pois é um custo que se tornaria injustificável. No entanto, a estrutura de leitos de UTI montada em hospitais não deveria diminuir”, afirma.Pelos casos que atende, o coordenador da Defensoria Pública do DF afirma que a principal carência tem sido por leitos especializados. “UTIs com suporte cardiológico e dialítico, aqueles considerados avançados, aparecem com frequência”, explica.Segundo ele, a ida à Justiça normalmente traz frutos, mesmo que a transferência não seja imediata. “Uma reavaliação pode ser feita, o que acelera outros processos dentro do hospital, ou até mesmo a ida do paciente para UTI particular, que, posteriormente, o GDF tem que pagar”, exemplifica.
Espera sofrida
Na última vez que a reportagem atualizou a fila de espera para transferência de pacientes, o número estava em 59 pessoas. Nem todas procuram a Justiça, o que mostra que a situação é mais grave do que aponta o levantamento da Defensoria Pública do DF.O caso de José Cardoso, 66 anos, é um que ainda não chegou aos tribunais. Paciente oncológico, ele sofre com uma infecção decorrente da cirurgia de retirada do tumor no reto realizada em março. “Desde então ele vinha apresentando muitas dores, mas os médicos acharam que era algo na coluna, sendo que houve uma infecção no local”, explica a filha do paciente, Alessandra Rodrigues, 39.
Desde o dia 23 de setembro, ele está internado na UPA de Ceilândia, que não tem condições de atender as necessidades dele. Uma transferência chegou a acontecer para o Hospital Regional da cidade, o HRC, mas José foi recusado, uma vez que a avaliação mostrou um caso mais grave que o imaginado. “Antes tinham regulado ele para enfermaria. Só depois que foi para o HRC, no dia 30, que colocaram meu pai na fila de UTI”, diz Alessandra.Para ela, tem sido dias desesperadores. “Ele precisa fazer uma espécie de punção e controlar a infecção. Ele tem 66 anos, mal está conseguindo se movimentar, esse tipo de coisa não pode acontecer”, lamenta.
O que diz a Saúde
Procurada, a Secretaria de Saúde informou, em nota, que Telma “aguarda vaga para um outro leito com suporte específico para o seu quadro. Enquanto isso, segue sendo assistida pela equipe multiprofissional da unidade até que haja a possibilidade de remoção”. Já sobre José, a pasta afirmou que ele foi “inserido na fila de prioridade para um leito com um suporte que lhe atenda. Tão logo surja essa vaga, será direcionado ao leito. Até lá, segue recebendo todos os cuidados da equipe local”.
Com relação ao tamanho da fila de espera por UTI, a secretaria disse que “tomando-se uma análise proporcional ao número do ano anterior, ou seja, até setembro de 2019, nota-se uma redução no número de ações judiciais que solicitam um leito de UTI para pacientes”.
A nota ainda ressalta que essa redução acontece “em um período de grande acometimento da população do Distrito Federal pela Covid-19” e que a pasta “segue empenhada em reduzir ao máximo o número de judicializações”.